[GMZ] Primeiro dia de discussões entra em combustão: Federação Russa causa nada mais que longos discursos e França termina de câmera desligada

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Debates mostram como palavras bonitas não escondem contradições e fugas do tema

Mariana Naves

A manhã do dia 24 de abril foi marcada pela primeira sessão do Comitê de Direitos Humanos, que neste ano trata a Perseguição e Violência Contra Jornalistas. Com a participação de diferentes delegações as discussões começaram acaloradas, e prometem manter o ritmo pelos próximos dias, principalmente em pautas muito particulares e preciosas para alguns delegados. O primeiro dia dita o tom da discussão e firma as primeiras alianças, que não foram nada surpreendentes, apesar de uma primeira tentativa de estabelecer a boa vizinhança com discursos positivos e em defesa da liberdade de imprensa e do jornalista.

A primeira impressão, que deveria ficar, foi dissipada tão rapidamente quanto surgiu. Os posicionamentos de países com histórico de violência contra a imprensa foi amável e utópico, logo não foi sustentado por muito tempo. Já na elaboração da Agenda Formal as primeiras garras começaram a surgir, de um lado o posicionamento de Alemanha, Venezuela, Argentina, Honduras e até mesmo México e Estados Unidos, aliados em compor uma discussão mais ampla, de modo que deixa a dúvida se a iniciativa será mantida. 

Por outro lado, temos a Federação Russa, que afirma aos quatro ventos como sua nação é plural. “Segurança para o cidadão russo” foi repetido diversas vezes pelo delegado que tanto pauta a proteção dos seus, e muito além lança a busca pela verdade como uma máxima a ser debatida. Outra posição não surpreendente, é a da China, que em poucas palavras esclareceu para os presentes como a liberdade de expressão e a democracia não são direitos universais e não podem ser tratados dessa maneira. 

Com dois lados definidos, a discussão para a formação da Agenda Formal prosseguiu com algumas insistências em tornar o Comitê uma discussão sobre a guerra entre Rússia e Ucrânia, que foram rapidamente interrompidas por outras delegações. Apesar de discordâncias que podem causar repercussões para as próximas sessões, as pautas estabelecidas são de extrema importância. Sobretudo,  quando os participantes da discussão são representantes de nações com o poder acima de qualquer jornal, e que escolhem formar uma roda em assuntos que deveriam ser superados. 

Uma estratégia semelhante ao dos discursos de abertura, em focalizar o seguro, mas não necessariamente o justo, ou pertinente para os jornalistas. Em tempos tão incertos, em que a violência contra a imprensa parte de todos os lados, as delegações preferem afastar suas posições como agressores, de modo a lavar as mãos do sangue de colegas jornalistas derramado em circunstâncias nunca esclarecidas, e vestir a capa de salvadores. Quem poderá salvar os jornalistas, senão pessoas em uma sala que nunca estiveram em uma redação, redigiram uma notícia, ou que ainda sofreram com a brutalidade da profissão? 

Além disso, como em um Comitê polêmico como este, sempre há incêndios a serem apagados. Em uma rodada insana de exposições, após breves minutos de colaboração, não foram poucas as delegações postas em cheque. Os Documentos de Trabalho submetidos por anônimos trouxeram notícias e outras fontes que abalaram as discussões, principalmente com denúncias sobre episódios violentos dos Estados contra jornalistas, e outras notícias para lançar faísca no parque dos delegados. Tudo o que a cobertura do evento esperava para engatar em temas mais particulares de cada delegação.

Bem como o previsto do decoro, as falas dos delegados e delegadas seguiam o mesmo roteiro, com muito ênfase em “reiteramos nosso compromisso”, “todos erramos” e uma pitada de “compromisso com a liberdade”. Essas falas de “extrema profundidade” provocam, nesta jornalista que vos escreve, náuseas e um revirar de olhos. Ao menos a delegada de Honduras manteve-se firme em pautar a violência estatal, ainda que seu país promova tal bestialidade. Mas o pior ainda estava por vir, afinal, como bem lembrado pela Federação Russa, nada pode acabar totalmente, logo as agressões contra jornalistas continuam. Resta saber a data da próxima agressão à esta jornalista, e se ela permanecerá viva para acompanhar os debates.

Na última sessão os ânimos não poderiam estar mais afiados. Registramos farpas para todos os lados e muitos questionamentos ácidos entre as delegações. O que mais chamou a atenção foram as tentativas de contornar o tema principal. Afinal, o que os países têm a esconder – ou a oferecer – ao debater seus erros e escolhas em nada que diz respeito ao tema proposto? Fato é que o estopim da tarde foi o confronto da delegação francesa à russa sobre os conflitos recentes. O início de uma história de amor, mas ao estilo Fleabag. 

A dramaticidade do delegado francês configurou-se em solicitar a suspensão do delegado russo, seguido de um protesto de câmera fechada. A delegação russa não se abalou, já que está imersa em seu mundo erudito de ideias e cidadania russa. A tensão teve um epílogo durante a coletiva de imprensa, momento em que a Federação Russa foi questionada se a frase “o nacionalismo russo não é mais precioso ao jornalista do que o cabresto imposto pelo Kremlin” poderia ser atrelada ao modo de fazer russo. A resposta veio firme com a afirmação de que pessoas não seriam montarias para usar cabresto, e a edição questiona: vamos embora, lacraste?

O fato é que a delegação russa patinou nas respostas, e reafirmou que o cidadão russo possui deveres com a Rússia. Mais do mesmo para defender sua posição. Quem não decepcionou foi a delegação francesa, que questionada sobre as hipocrisias encontradas, e a motivação para o pedido de suspensão do colega, foi direta em afirmar que não faz sentido a presença de uma nação como a Rússia, que atenta contra os direitos humanos, em um comitê que discute direitos humanos.

O primeiro dia termina em combustão. Os delegados aguardam a próxima sessão para continuarem suas discussões e o GMZ continuará a fazer delegações questionarem se estão prontas para encarar uma jornalista.