[CLARÍN] Obscurantismo estadunidense no 2º dia de reuniões da OEA

GOMUN 2021

Delegados fazem uso de recurso de fechamento da sessão para expulsar jornalistas, EUA compactua com tal proposta

 

João Vitor Lopes Fernandes

Hoje, dia 24 de abril, teve início o 2º dia do ciclo de reuniões dos países membros da Organização dos Estados Americanos (OEA). A agenda continuou com a resolução das deliberações não terminadas ontem, dentre elas: o apoio às populações originárias e às mulheres na precarização do trabalho na pandemia. No entanto, o andamento normal da agenda foi suspenso devido à crise que se instaurou pelo surgimento de uma notícia sobre o trabalho análogo à escravidão realizado por venezuelano e bolivianos em uma fazenda no estado do Pará no Brasil.

O início da 1ª sessão de hoje foi de acordo com o previsto na notícia de ontem. Os delegados iniciaram as discussões sobre as pautas de minoria durante a pandemia. Clima morno. O delegado dos EUA fez apenas questão de lembrar que o ambiente de discussão era sobre a precarização do trabalho na pandemia e não sobre minoria X ou Y na pandemia. No meio da discussão, a mesa interferiu no debate. A Presidente da Imprensa ocupou o espaço de fala e iniciou o relato de uma notícia que apontava para a existência de imigrantes venezuelanos e bolivianos trabalhando em condição análoga à escravidão, em uma fazenda no estado do Pará na República Federativa do Brasil. Uma crise se instaurou na OEA.

Quando os delegados adotam o protocolo de resolução de crises, toda a agenda fica suspensa e estas senhoras e senhores têm até o término da sessão para a emissão de um comunicado formal do que foi decidido a respeito da crise instaurada. No entanto, de forma surpreendente, poucos minutos após a crise instaurada, o delegado da Guiana iniciou uma nova crise e pediu à mesa diretora que todos os jornalistas fossem removidos da reunião. Além disso, para agravar a situação, todos os delegados consentiram com a decisão (inclusive os EUA), um ato coletivo de supressão do direito à liberdade de imprensa na Organização dos Estados Americanos. 

Depois de mais de uma hora e meia de espera, os jornalistas voltaram à sessão e os delegados emitiram quatro documentos oficiais à imprensa, um que reunia os compromissos de todos os Estados da OEA para com o acontecido e outros três, que eram os pronunciamentos dos três países diretamente envolvidos pela crise: Brasil, Bolívia e Venezuela.

O conteúdo dos quatro documentos foi uníssono: um repúdio ao trabalho escravo e um compromisso mútuo em combatê-lo. Além disso, foi pedido um auxílio à unidade das Nações Unidas responsável pela solução de crimes e tráfico internacional de drogas, o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODC). O objetivo do convite de tal escritório surgiu no contexto de promover o multilateralismo e preservar a soberania dos países envolvidos na resolução do crime na fazenda do estado brasileiro do Pará. 

Apesar do discurso relevante, é difícil saber se alguma mudança concreta ocorrerá no que tange à diminuição dos crimes de trabalho forçado e tráfico de pessoas na América. A retirada dos jornalistas durante a sessão, apenas evidencia que a fiscalização da ação dos Estados por parte dos veículos de imprensa está sendo comprometida e será difícil para a população de mais de 1 bilhão de pessoas do continente americano ter ciência das ações e compromissos reais dos Estados.

Mais tarde, na coletiva de imprensa, o delegado dos EUA foi perguntado pelo jornalista do Clarín  sobre o motivo de ter compactuado com a proposta do delegado da Guiana de  retirar os jornalistas da sessão de resolução da crise, visto que os EUA sempre gozaram do posto de serem “a maior democracia liberal do mundo”.

Em resposta à pergunta, o delegado disse que não considera a ação como uma afronta à liberdade de imprensa, que o recurso foi utilizado em razão do tema da crise  ser muito sensível e que alguns Estados poderiam se sentir intimidados com a presença da imprensa. Com essa resposta só resta outra pergunta: quem tem medo da imprensa?

Voltando para as sessões, a 2ª se iniciou com a volta das deliberações da agenda: a pauta dos indígenas e das mulheres no contexto da precarização laboral durante a pandemia. A 1ª parte da discussão, em relação aos indígenas, durou cerca de uma hora e meia. A longa duração de discussão desse tema se deu pela falta de objetividade entre os delegados, algo que foi apontado na notícia de ontem.

Um tema espinhoso surgiu durante a discussão acerca dos povos originários. Uma notícia, em pedido anônimo, foi lida pela mesa diretora. A notícia retratava a repressão do governo chileno contra o povo mapuche, quando este último exigia certas demandas do país. A delegada do Chile mostrou não se importar com a notícia e apenas depois de 15 minutos declarou algo. Se afastando do que foi noticiado, a delegada alegou que o assunto da notícia não tinha relação alguma com a questão da precarização do trabalho na pandemia.

A equipe do Clarín, em busca de uma resposta mais completa, perguntou à delegada na coletiva de imprensa sobre o ocorrido. A pergunta foi: o modus operandi violento do Estado chileno para com as demandas do povo mapuche será semelhante se este mesmo povo, ou qualquer outro povo indígena, exigir demandas de maior apoio econômico e social na busca de trabalhos durante a pandemia? A tentativa do jornalista do Clarín em contextualizar a notícia do povo mapuche ao assunto em discussão da precariedade do trabalho na pandemia na OEA não surtiu efeito.

A resposta da delegada chilena foi a mesma de antes, e esta disse apenas que a discussão não tinha qualquer relação com o tema principal da conferência. No fim, nenhum repúdio ou fala contrária foi feito pela delegada chilena, mostrando uma possível condescendência  de sua parte para com a violência estatal de povos indígenas em seu país. 

Para amanhã, a expectativa é de mais conflitos entre os delegados. Ademais, a imprensa segue atenta às tentativas de supressão de sua presença nas sessões. As ações dos delegados hoje foram lastimáveis. O Clarín se manifesta em oposição a tais atos, visto que esse  periódico, sim, se preocupa com a liberdade. Com pesar reitera-se que, hoje, na 4ª sessão de discussões da OEA, 1 bilhão de americanos foram prejudicados no acesso à informação.

 

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Post organizado por delegações do Comitê de Imprensa Internacional na 3ª Edição do Goiás Model United Nations